Há menos de nove meses do maior evento de combate à crise climática do mundo na cidade amazônica, adaptar as cidades e torná-las mais resilientes frente a nova realidade imposta pelo clima é urgente e deve ser prioridade. É o que defende o climatologista Carlos Nobre, ao lembrar que nem a ciência conseguia prever anos atrás que iríamos bater os 1,5°C limites do Acordo de Paris e ter 2024 como o ano mais quente da história.
“Se continuarmos com as metas de 10 anos atrás, iremos bater os 2,5°C até 2050. É um ‘suicídio’ para o planeta, pois vamos disparar os pontos de não retorno. E o pior para nós, brasileiros, é a perda até 70% da Amazônia”, destacou.

Cientista Carlos Nobre
O ritmo acelerado gera preocupação entre especialistas, que alertam para o risco de uma série de ‘efeitos drásticos em cascata’.
Mesmo que o Brasil zere as emissões até 2040, especialistas alertaram que há a possibilidade de não conseguirmos baixar os 1,5ºC e a temperatura cada vez mais alta leva a um aumento exponencial de eventos climáticos extremos.
Juntas, todas as florestas do mundo retiram cerca de 1/3 do C02 da atmosfera, com a amazônica tendo papel essencial na regulação do clima global. Carlos Nobre alerta que se passarmos do ponto de não retorno, este bioma irá se degradar e nós vamos perder a maior biodiversidade do planeta.
Pensando nisso, o cientista defende a restauração de todos os biomas como principal adaptação climática. “Não só para manter nossa vida, mas também do planeta. É sobre adaptar a biodiversidade e nós”, disse. Neste sentido, entra a necessidade de investir em cidades mais verdes.
A aposta na arborização é garantia de um clima mais ameno: estudos recentes já revelaram que árvores podem reduzir em até 12ºC a temperatura em centros urbanos. Além disso, podem reduzir de 20% a 30% a poluição do ar, uma das maiores causas de morte nas cidades.
Dentro do Plano Clima em desenvolvimento pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima desde 2023, Carlos Nobre reiterou que há vários pontos muito positivos para a agenda de adaptação — e que o maior desafio atual é a implementação.
O principal seria zerar totalmente o desmatamento até 2030 em todos os biomas brasileiros, como prometido na nova meta climática brasileira (NDC) apresentada na COP29 em Baku, no Azerbaijão. “Isso é absolutamente necessário. Depois, há um desafio ainda maior, que é zerar o fogo criminoso. Hoje, este é o principal fator de degradação biomas, principalmente da floresta Amazônica e do Cerrado”, frisou.
Perder biodiversidade representa um enorme risco, o que ele chamou de um verdadeiro “suicídio ecológico”, além de gerar um grande número de epidemias. “A restauração da vegetação também protege a saúde humana e até mesmo a infraestrutura que todos nós dependemos – estradas, ferrovias, manguezais. Isso é fundamental para a preservação das áreas costeiras”.
O Plano Clima do governo federal considera uma realidade alarmante: 83% dos municípios brasileiros enfrentaram desastres associados a eventos extremos, com cerca de 177 milhões de pessoas afetadas e cerca de 66% deles com a capacidade adaptativa classificada como baixa ou muito baixa. O dado expõe a maior vulnerabilidade de algumas populações frente à crise climática: mulheres, povos indígenas, quilombolas, negros e pobres sofrem seus impactos de forma desproporcional em um país marcado por desigualdades.
Para Nobre, contemplar estas comunidades é o maior desafio. A ciência já mostrou que ondas de calor são o evento mais letal e ele reforça que precisamos acelerar muito a proteção das populações vulneráveis em todas as esferas (municipal, estadual e federal).
Algumas medidas incluem pintar telhados de branco, viabilizar financiamento para compra de ar-condicionado para idosos e criar políticas para reduzir o custo da energia elétrica, que costuma ser muito alto em regiões quentes.